A manhã do segundo dia do XVIII Congresso Internacional em Direitos Humanos começou intensa e produtiva, com a realização simultânea de seis minicursos. Cinco deles ocorreram nas salas de aula da Escola Superior da Magistratura Tocantinense (Esmat), enquanto o último foi realizado no auditório do Tribunal de Justiça do Estado do Tocantins (TJTO).
Redes sociais e a Dignidade da Pessoa Humana
Com reflexões potentes, o minicurso “Discursos de Ódio nas Redes Sociais e a Dignidade da Pessoa Humana” foi conduzido por uma equipe multidisciplinar: a doutoranda Lívia Zanholo Santos, o doutorando Wellington Gomes Miranda, o juiz e doutorando Deusamar Alves Bezerra, o desembargador e doutorando Elcio Sabo Mendes Júnior, o mestre Fabiano Gonçalves Marques e a professora doutora Patrícia Medina.
Lívia Zanholo iniciou propondo uma discussão filosófica e atual sobre a dignidade da pessoa humana, com base no pensamento kantiano. “A dignidade é aquilo que não tem preço. E o tempo, por exemplo, tem preço? Não. Assim como a liberdade, a dignidade não pode ser quantificada, muito menos relativizada”, provocou.
Ela abordou como a tecnologia, ao mesmo tempo que potencializa o exercício da liberdade de expressão, também facilita a disseminação de discursos de ódio, muitas vezes naturalizados por quem os presencia.
“Estamos aqui hoje para provocar vocês à ação. Porque, mesmo que a gente não consiga voltar no tempo e impedir o avanço tecnológico, é possível seguir em frente refletindo, criticando e buscando soluções sociais e humanas para os problemas que surgem com ele”, pontuou.
Durante sua fala, Patrícia Medina enfatizou a relevância da cooperação entre instituições e citou a presença do desembargador Elcio, do Tribunal de Justiça do Acre (TJAC), como resultado concreto da parceria acadêmica entre TJAC, UFT, Esmat e Fapto, firmada em 2023. O convênio possibilitou a abertura de uma turma do mestrado em Direitos Humanos na modalidade “fora de sede”.
Em depoimento, o desembargador Elcio, que foi diretor da Escola do Poder Judiciário do Acre no biênio 2023-2025 e participa pela primeira vez, presencialmente, do Congresso, compartilhou sua experiência.
“Participar deste evento é algo que engrandece a minha pessoa na captação de conhecimento. Melhor do que isso, são as pessoas que vêm até o evento para assimilar esse conhecimento que é debatido e agregado numa troca de experiências. Isso é o que realmente vale a pena: essa interligação entre o ser humano e a tecnologia, mas sempre com o ser humano no comando, não o contrário”, partilhou.
O conteúdo abordado no minicurso tratou dos impactos jurídicos, sociais e psicológicos dos discursos de ódio e seus reflexos diretos na convivência democrática. A proposta foi estimular uma postura crítica e ética diante desse fenômeno cada vez mais frequente nas redes, em consonância com a promoção dos direitos humanos e da diversidade.
IA e Pesquisa Científica
O minicurso “Inteligência Artificial e Pesquisa Científica: Ética, Ferramentas e Boas Práticas” reuniu estudantes, pesquisadores(as) e profissionais do Sistema de Justiça para discutir os desafios da IA na produção acadêmica. A atividade foi conduzida pela professora doutora Liziane Paixão, pelos mestrandos João Lucas Gomes Rabelo Aguiar e Gustavo Costa Folha, e pelo especialista Igor Vasconcelos Barbosa de Mendonça. Durante sua fala, a professora Liziane destacou a importância do uso consciente dessas tecnologias.
“É preciso tempo e paciência ao lidar com a Inteligência Artificial, porque seu uso demanda um diálogo contínuo. Sem o devido cuidado e acompanhamento, a ferramenta pode cometer erros, até mesmo no tratamento de dados sensíveis”, alertou.
Ela destacou uma mudança de desafio para os(as) pesquisadores(as): se antigamente o problema era encontrar material de estudo, hoje a questão é a grande quantidade de informação disponível e a dificuldade em decidir por onde começar.
Entre os temas abordados estiveram a construção de prompts mais eficazes, a comparação desses comandos com um “Termo de Referência” fornecido aos sistemas inteligentes, os critérios de qualidade para avaliação dos resultados, além de orientações sobre documentação do uso de IA, validação de conteúdo gerado e como declarar a utilização da ferramenta nos trabalhos. Os(As) participantes também tiveram contato com um modelo de fluxo de trabalho ético para pesquisas com apoio de IA, que propõe etapas metodológicas mais seguras e transparentes.
Judicialização da Saúde
Com uma turma engajada e ativa, o minicurso “Judicialização da Saúde, Vulnerabilidade e Inteligência Artificial” promoveu um debate interdisciplinar e sensível sobre os desafios enfrentados por pessoas que recorrem ao Judiciário em busca de atendimento em saúde. A atividade foi conduzida pela professora doutora Naima Worm e as mestras Carla Regina Nunes dos Santos e Bhonny Soares de Sá.
A ideia foi apresentar a Judicialização da Saúde como um fenômeno que ultrapassa questões técnicas e jurídicas, exigindo um olhar atento às vulnerabilidades e ao sofrimento subjetivo de quem vivencia esse processo.
Durante a conversa, os(as) participantes compartilharam experiências que ilustram os efeitos emocionais causados pela espera ou pela dificuldade de acesso a direitos básicos, como tratamentos ou medicamentos. Foram discutidos, ainda, os desafios institucionais, a morosidade processual e a importância da escuta empática nas decisões judiciais. Em depoimento, a professora Carla destacou o propósito do encontro.
“Ele visa amplificar vozes de pessoas que recorrem ao Judiciário como último recurso. É a urgência da vida dele batendo à porta desse sistema ainda marcado pela burocracia, pela lentidão. E é realmente um gesto de resistência que nós quisemos trazer para cá. Um convite para o Judiciário julgar com mais humanidade, ouvir com mais empatia”, disse.
O minicurso também abordou o uso ético da Inteligência Artificial como ferramenta de apoio ao Judiciário, especialmente em demandas de saúde. A IA foi apresentada como uma aliada na triagem, análise de dados e agilidade processual, desde, é claro, que seu uso respeite princípios éticos e preserve a centralidade do ser humano. Nesse sentido, Bhonny reforçou a importância de uma atuação intersetorial e a necessidade de qualificações, como as promovidas pela Esmat:
“A ciência se comunicando. Falamos de tecnologia, mas num sistema como o nosso, a solução é demorada. A qualificação e a educação são os primeiros caminhos. Onde está funcionando é onde houve interseccionalidade, onde teve essa comunicação entre as áreas.”
Uma das reflexões trazidas pela própria turma, durante o compartilhamento de experiências e casos, foi a citação de Carl Jung: “Conheça todas as teorias, domine todas as técnicas, mas ao tocar uma alma humana, seja apenas outra alma humana”.
Tecnologia como aliada no enfrentamento à violência de gênero
No minicurso “O uso da Tecnologia como Instrumento de Combate à Violência Familiar e Doméstica Contra a Mulher”, a mestra Stella Bueno Pedroso do Nascimento, a pós-doutora Jessica Hind Ribeiro Costa e o professor doutor Aloisio Bolwerk conduziram uma discussão interdisciplinar sobre como a tecnologia – incluindo a Inteligência Artificial – pode se tornar uma aliada poderosa na proteção das mulheres em situação de vulnerabilidade.
A professora Stella enfatizou a importância da aproximação entre educação e tecnologia para as mulheres: “Principalmente para nós, mulheres, o mais importante hoje é compreender que a educação não pode se dissociar da tecnologia. […] Este é um instrumento incrível, que já salvou a vida de várias mulheres”..
Além de tratar das ferramentas tecnológicas já disponíveis, como assistentes virtuais, sistemas de monitoramento e canais de denúncia, o minicurso também trouxe reflexões sobre as formas de violência digital (como o assédio virtual, deep fakes, cyberstalking) e os estereótipos de gênero reproduzidos por assistentes com voz feminina.
As falas também abordaram a baixa representatividade feminina em áreas como Programação e Engenharia e a importância de incentivar a participação de mais mulheres nesses campos. O debate apontou ainda para a necessidade de articulação entre instituições (Justiça, Ministério Público, Defensoria, forças de segurança) e o uso ético da tecnologia no acolhimento das vítimas. Para os facilitadores, mais do que combater, é preciso prevenir a violência e promover uma cultura de equidade, com atenção especial à humanização dos serviços e à superação de desigualdades históricas.
O Acesso à Justiça em Tempos Tecnológicos
No minicurso “O Acesso à Justiça em Tempos Tecnológicos”, o debate girou em torno das transformações causadas pelas inovações digitais no Judiciário, especialmente o uso da IA como ferramenta para ampliação do acesso à Justiça. Com condução do professor doutor Antônio Carlos dos Santos, da doutoranda Juliana Silva Marinho Guimarães, da procuradora e mestra Maria Cotinha Bezerra Pereira e do doutorando Paulo Alexandre Rodrigues de Siqueira, a atividade apresentou os desafios contemporâneos relacionados à tecnologia e à efetividade dos direitos fundamentais.
O professor Antônio Carlos provocou a reflexão a partir de uma pergunta essencial: “Como possibilitamos esse acesso? E qual é o papel da IA nesse processo?”. Ele destacou que a discussão sobre Inteligência Artificial não pode estar dissociada de um problema maior, que é o acesso real e igualitário à Justiça.
Já a procuradora Maria Cotinha reforçou que “a humanidade sempre esteve interessada em avançar”, trazendo à tona o valor da informação como poder e as potencialidades da IA na Justiça, como a automação de processos, o uso de big data para identificação de padrões e tendências, e a extração de informações relevantes a partir de grandes volumes de dados.
Os(As) participantes discutiram o impacto da informatização judicial no Brasil, as barreiras tradicionais e digitais que ainda persistem e o risco de aprofundamento da exclusão social diante das assimetrias informacionais. Para o presidente do Centro Acadêmico de Direito da UFT, Matheus Dutra, que acompanhou o debate, “o minicurso foi extremamente enriquecedor! O uso da tecnologia, sobretudo da IA, foi tratado sob diversos aspectos, pautados na Moralidade, Ética e Dignidade da Pessoa Humana”.
Minicurso Internacional
O minicurso Inteligência Artificial, Sistema Penal e Direitos Humanos, realizado no auditório do TJTO, promoveu uma análise crítica sobre o impacto da inteligência artificial no sistema penal, evidenciando os riscos éticos, jurídicos e sociais envolvidos. A atividade iniciou com a participação remota, direto da China, do professor doutor Zhao Shuhong, que abordou as implicações do uso da IA em casos relacionados à automutilação, destacando os dilemas éticos da intervenção automatizada em contextos sensíveis.
Na sequência, o professor doutor Tarsis Barreto deu continuidade à reflexão, aprofundando a discussão sobre os desafios da aplicação de algoritmos em decisões penais e os riscos de discriminação estrutural decorrentes de vieses algorítmicos. Foram também discutidos temas como a falta de transparência de sistemas automatizados, as chamadas “caixas-pretas”, e a importância de garantir um “devido processo tecnológico penal”, que assegure os direitos fundamentais e preserve a dignidade humana no uso dessas ferramentas.
A acadêmica Ana Laura de Oliveira, que participou da atividade, reforçou a relevância do debate: “Foi uma palestra superimportante. O professor Tharsis trouxe um ponto de vista muito legal sobre sistema penal e IA, e a gente precisa desse embasamento jurídico para manusear a ferramenta. Foi muito enriquecedor para nós, porque o Direito está cada dia mais tecnológico e precisamos nos adaptar”.
Programação
Encerrada a etapa de minicursos, a programação do Congresso segue, a partir desta tarde (12/11), totalmente no TJTO, com a solenidade oficial de abertura prevista para as 17h30. O credenciamento tem início às 16h30. Participantes das comarcas do interior e de outros estados poderão acompanhar a transmissão ao vivo pela Secretaria Acadêmica Virtual (SAV) da Esmat, a partir desse mesmo horário.
Se você é de Palmas, vale a dica: Chegue com antecedência para realizar seu credenciamento com tranquilidade e garantir um bom lugar no auditório.
Além das autoridades confirmadas para a cerimônia, a abertura contará com a conferência virtual da brasileira Patricia Florissi, homenageada desta edição. Em seguida, o senador Eduardo Gomes, relator da Comissão Especial de Inteligência Artificial no Senado, participa com uma fala sobre os avanços legislativos e as propostas de regulação da IA no Brasil.
E os próximos dias?
Nos dias 13 e 14 de novembro, o Congresso segue com painéis temáticos, apresentação de trabalhos acadêmicos e novas conferências.
- A programação completa pode ser acessada aqui.
- A lista de trabalhos aprovados para o dia 13 está disponível neste link.
A Esmat fornecerá os suportes para a fixação dos banners, mas a confecção do material é de responsabilidade dos(as) pesquisadores(as). A fixação deve ser feita com, no mínimo, 30 minutos de antecedência:
- Grupo 1 deve afixar os trabalhos até as 8h30;
- Grupo 2, entre 12h e 14h.
É obrigatória a presença de pelo menos um(a) autor(a) durante o período de avaliação para responder às perguntas da banca.
Sobre o Congresso
Consolidado como o maior evento da Esmat, o Congresso Internacional em Direitos Humanos é realizado em parceria com a Universidade Federal do Tocantins (UFT) e conta, nesta edição, com o apoio de instituições como Copedem, Axia Energia (antiga Eletrobrás), Fapto, Capes, Asmeto, CNE e ILANUD/ONU.
A coordenação geral é do desembargador Marco Villas Boas, diretor-geral da Esmat e presidente do Copedem. Já a coordenação científica está a cargo do professor doutor Tarsis Barreto Oliveira, coordenador do Programa de Pós-Graduação em Prestação Jurisdicional e Direitos Humanos (PPGPJDH/UFT).