a surpreendente história de Lívia, a pequena Raio de Sol


Era uma vez uma menininha conhecida como Raio de Sol e sua história que lembra os contos de fadas infantis, com seus personagens marcantes, elementos mágicos, finais felizes e que, ao contrário das fábulas, é pura realidade. O nome da personagem central é Lívia, uma criança de três anos e 11 meses que até a semana passada vivia em um abrigo de Palmas (TO) cujo nome também é Raio de Sol.

Lívia nasceu no dia 19 de dezembro de 2019, com líquido e uma má formação em parte do cérebro, condição que lhe trouxe muitas limitações. Ainda na maternidade, foi entregue ao Poder Judiciário para adoção. Na época, a expectativa de vida da pequena era de apenas três meses, fase que conseguiu superar, assim como a Covid-19 que contraiu em plena fase crítica da pandemia.

Para viver, ela conta com uma válvula (DPV) no cérebro e recebe medicações e fórmulas alimentares por meio de uma sonda gástrica. Lívia ainda não anda e não fala, mas consegue interagir com as pessoas e irradiar amor e alegria na direção daqueles que lhe dão atenção e carinho.

Desde que deixou o hospital, após o seu nascimento, a casa da Lívia sempre foi o abrigo municipal Raio de Sol, onde passou a ser cuidada por servidoras do local e acompanhada de perto por profissionais de várias especialidades. Sua rotina diária incluía atendimentos na rede pública de saúde e com profissionais voluntários que se dispuseram a ajudá-la.

Como chegou à instituição de acolhimento com poucas chances de sobrevida, por algum tempo ficou sob cuidados paliativos, e muitos não acreditavam que sobreviveria. Mas Raio de Sol surpreendeu com a sua força e vontade de viver. Como se quisesse mostrar sua capacidade, lutou para ter um direto que é garantido por lei a todas as crianças: ter uma família.

 

Você vai ler nesta reportagem:

  • 🏡  À espera de um lar.
  • 🌟  Fada-madrinha.
  • 💖  Corações unidos pelo A.Dot.
  • 👨‍👩‍👧 “Filho não se escolhe, ama e aceita com é”.
  • ⚖  Missão que vai além do papel institucional.
  • 🎬  Um novo capítulo se inicia.
  • 🌷  No jardim encantado.

 

Segundo estatísticas, crianças como a Lívia integram o perfil menos buscado por pessoas interessadas em adotar. De acordo com dados do Sistema Nacional de Adoção e Acolhimento (SNA), das 3.203 adoções concluídas em 2019, apenas 0,6% eram de crianças ou adolescentes com algum tipo de deficiência.

Diante dessa realidade, as expectativas de que um dia Raio de Sol pudesse encontrar um lar eram bem remotas.

“Nosso desejo sempre foi que Lívia tivesse uma família, por isso nunca perdemos a esperança”, conta a psicóloga Marta Gomes de Araújo, técnica de referência do abrigo que acompanhou a pequena desde que ela chegou ao local, recém-nascida.

Nesse período em que esteve na casa, Marta comenta que houve alguns pretendentes que foram designados à adoção da criança, mas diz que a maior parte nem chegou a conhecê-la, pois desistiam do processo logo que ficavam sabendo do histórico dela.

“Muitas famílias não querem adotar crianças como ela, que eu digo que é uma criança especial e muito abençoada por Deus. É muito guerreira”, enfatiza Cristiane Pereira de Sousa, que cuidou de Lívia desde que ela chegou ao abrigo.

A rotina de trocar fraldas, dar banho, alimentar, levar ao médico estreitou os laços entre ela e a criança. Tanto que, segundo Cristiane, aprendeu com a pequena a ver a vida de uma outra forma, lição que jamais esquecerá. “O médico falou que Lívia teria três meses de vida, e ela vai fazer quatro anos”, diz, emocionada. “Tenho muita esperança de ver a Lívia crescendo cada dia mais.”

 

No caminho da pequena Raio de Sol, muitas fadas surgiram para ajudá-la. Talita Evangelista é madrinha afetiva e de batismo de Lívia, mas também pode ser considerada uma fada-madrinha.

Talita conheceu a criança quando ela ainda era um bebê, com apenas um mês de vida. Sem a mãe para dar amor e carinho, a madrinha conta que doou colo para a garotinha, na maternidade. Voluntária de um projeto chamado “Doação de Colo”, continuou acompanhando e suprindo Lívia em outras necessidades, quando ela foi para o abrigo.

 

O batismo de Lívia

Foi lá, inclusive, que Talita ficou sabendo que poderia se tornar madrinha afetiva da pequena, por meio do projeto “Apadrinhamento”. Posteriormente, depois de solicitar e receber autorização da justiça, ela batizou Lívia na igreja. “O juiz liberou e, em setembro de 2022, ela foi batizada”, ressalta, citando o grande carinho que tem pela afilhada e o desejo que sempre teve de vê-la com uma família.

E como todo conto tem final feliz, apesar da complexidade do caso e das poucas expectativas de adoção, neste ano, em um belo dia, a pequena Raio de Sol finalmente foi encontrada por seus pais e estava prestes a ganhar um lar para iluminar.

 

Foi por meio do A.Dot, aplicativo que faz a conexão de crianças e adolescentes em condições de adoção com pretendentes habilitados no cadastro nacional, que o casal de empresários Marcelo Pereira, 38 anos, e Evi Bianchi, 32, conheceu Lívia.

Desenvolvido pelo Tribunal de Justiça do Paraná (TJPR) e trazido ao Estado através de um convênio com o Poder Judiciário do Tocantins, via Corregedoria-Geral da Justiça, por meio da Comissão Estadual Judiciária de Adoção (Ceja), o aplicativo funcionou como uma espécie de “portal mágico”, instrumento que mudaria de vez o destino da pequena Raio de Sol e transformaria sua a sua história.

A 1,415.87 km de distância, em Hortolândia (SP), o casal, que estava habilitado para adoção há oito meses, teve acesso ao vídeo de Lívia, postado em Palmas, através do A.Dot. Começava então um novo capítulo na história de Raio de Sol. 

“Após ver o vídeo, nós não tivemos dúvida sobre a nossa pretensão de conhecer Lívia”, conta Evi, lembrando que, apenas com a informação do estado onde a pequena morava, começou a ligar para as comarcas do Tocantins em busca de informações. Inicialmente, entrou em contato com o Fórum de Araguaína, até chegar ao Juizado da Infância e Juventude de Palmas.

“Fizemos o primeiro contato com fórum, através da servidora Cleide Leite de Sousa dos Anjos, e pedimos para saber mais detalhes da Lívia, se estava disponível para adoção e qual seria sua condição atual de saúde, já que o vídeo havia sido feito em 2022, com sua cuidadora, Cristiane Sousa”, conta Evi.

“Imediatamente Cleide buscou as devidas informações e nos forneceu. Refletimos e, mesmo sabendo de suas limitações, manifestamos interesse na Lívia, pelo aplicativo A.Dot”, ressalta.

 

Primeiros contatos

Após analisar o processo de adoção, o juiz titular do Juizado Especial da Infância e Juventude de Palmas, Adriano Gomes de Melo Oliveira, autorizou os primeiros contatos dos pretendentes com a criança, em julho deste ano. “Iniciamos nossa aproximação por chamadas de vídeos e ligações”, comenta Evi. 

O casal conta que, na época, a mãe de Evi, Mougana Bianchi, estava em viagem próximo a Palmas e pediu para que ela fosse até a cidade conhecer a menininha. Com autorização da Justiça, Mougana ficou sete dias acompanhando a rotina da pequena Raio de Sol, por quem se encantou, segundo Evi.

 

Encantados com Raio de Sol

Em agosto, foi a vez dos pretendentes pousarem na capital tocantinense para conhecer a pequena. “Ficamos encantados com a bebê, e ficamos alguns dias acompanhado a sua rotina”, diz. “Lívia já sabia que seríamos seus pais. Ela mudou completamente, sorria muito mais de alegria. Todos os profissionais não acreditavam no que viam”, relata Evi, lembrando que a cada dia havia uma nova descoberta em relação à pequena.

O casal voltou para São Paulo com a certeza de que seriam os pais de Raio de Sol. “Uma bebê tão inteligente e guerreira”, frisa Evi.

 

“Um filho, quando você gera, seja no coração ou na barriga, eu acredito que você não tem essa opção de escolher como ele é. O intuito de ter um filho é apenas de amá-lo, aceitando ricamente como ele é”, destaca Evi.

“Sentíamos que Lívia queria muito uma família”. Na despedida, o casal conta que a todo momento, quando falavam que a pequena seria adotada, ela gritava de alegria, mostrando a todos o quanto o amor pode mudar a realidade das crianças que tanto esperam um lar. “Diagnóstico não é sentença”, afirma Evi, se referindo ao caso de Raio de Sol.

 

Amor e estímulos

“Lívia precisou apenas de amor e estímulos para cada dia se desenvolver mais e mais”, continuou a empresária. “Ser pais de um bebê atípico, faz nos sentirmos muito especiais, pois todo dia, a cada evolução, é uma emoção sem tamanho, uma alegria que nos faz ver a vida de uma maneira pura, com esperança e muita fé.”

Evi e Marcelo afirmam que adotaram Lívia sem depositar nenhuma expectativa em relação às suas limitações. “Mas com a certeza de que ela será muito amada e acolhida por toda nossa família”, enfatiza Evi, citando que acredita que a evolução da filha vai acontecer naturalmente, como, segundo ela, ocorreu nesses quatro meses, desde que a conheceram, para a surpresa de todos que a acompanhavam. “Livia hoje está tentando se sentar e fazer movimentos que muitos não acreditavam que seria possível.”

Marcelo, de camisa branca e calça presta, fazendo carinho em Lívia, que está deitada em uma cama, em seu quarto
A pequena Lívia, ainda no Abrigo Raio de Sol, com o pai, Marcelo; foto: Rondinelli Ribeiro

 

Sonho e amor imediatos

Adotar uma criança era o sonho de Evi. “Sempre sonhei em adotar, então contei meu sonho ao Marcelo e a partir desse momento ele iniciou sua participação no meu sonho”, revela.

A pretensão do casal era adotar uma menina de até 10 anos. “Aceitávamos doenças tratáveis, doenças físicas, mas não psicológica”, lembra a empresária, explicando que, à época, ela e o marido não tinham conhecimento sobre o assunto, por isso decidiram não optar por uma adoção atípica. Mas quando conheceram Lívia tudo mudou. “Foi além do nosso perfil, foi um amor imediato, que fez a gente atravessar o estado para conhecê-la, sem medir esforços.”

Quando o casal demonstrou interesse em conhecer a pequena Raio de Sol, após encontrá-la no aplicativo A.Dot, o desejo foi prontamente atendido pelo Judiciário do Tocantins que, posteriormente, concretizou o processo de adoção, concedendo à Lívia o direito de ter uma família e realizando o sonho dos pais.

 

Além do papel institucional, todo o processo foi tratado com um olhar humanizado, pois, por trás da figura do desembargador, do juiz, de profissionais e de servidores, há serem humanos que agem também com o coração.  

“É muito gratificante para o Judiciário”, destaca a corregedora-geral da Justiça, desembargadora Maysa Vendramini Rosal, ao falar sobre a adoção da pequena Lívia, que, conforme enfatiza a corregedora, encontrou no seu caminho um casal disposto a adotá-la e atendê-la em todos os sentidos, no seu acolhimento.

“Torcemos para que tudo dê certo, porque este é um ato de amor”, frisa.

De acordo com a desembargadora, esse é um trabalho conjunto, que envolve vários servidores do Judiciário e destacou ainda que o A.Dot é uma ferramenta muito importante que busca incentivar pretendentes a terem um novo olhar em relação às crianças, promovendo a adoção fora do perfil inicialmente pretendido.

A desembargadora e o juiz Adriano Oliveira, juntamente com servidores da Corregedoria e do Juizado da Infância e Juventude de Palmas, participaram de um café da manhã de despedida para Lívia, no dia 26 de outubro, organizado pelo Abrigo Raio de Sol.

desembargadora maysa, de blusa verde e calça bege; juiz Adriano, de calça bege e camisa azul clara ao lado de duas servidoras e ao centro a madrinha da Lívia com a pequena nos braços, de costas e usando um vestido de tule nas coes azul e lilás
Desembargadora Maysa Vendramini, o juiz Adriano Oliveira, Ana Mara (Ceja) e Cleide (Infância e Juventude) na despedida da pequena Lívia, nos braços da madrinha, Talita; foto: Rondinelli Ribeiro

Integração

Segundo o juiz Adriano Oliveira, o papel do Judiciário do Tocantins é o de integrar todos os atores da rede com o objetivo de dar solução para casos de crianças como a Lívia, de forma a encontrar um lar onde elas possam receber amor.

“Nós estamos muito felizes, porque vamos iniciar agora o estágio de convivência, e a criança hoje já tem preparada toda estrutura necessária para recebê-la em São Paulo”, diz o magistrado, se referindo ao caso da pequena Raio de Sol, que, conforme lembra, o perfil normalmente não é aquele que as pessoas procuram para adotar.

 

Cuidado voluntário e de coração

Para quem trabalha diretamente com processos de adoção, como as servidoras do Juizado da Infância e Juventude de Palmas, Cleide Leite de Sousa dos Anjos e Margarete Beber, que acompanham Lívia desde recém-nascida, é gratificante ver uma criança como ela sendo assumida por uma família. 

Durantes esses anos, Cleide conta que muitas pessoas boas de coração passaram pela vida da pequena e se emocionaram pela sua garra e vontade de viver. “Não tem como não se emocionar. A Lívia é uma lição de vida para todos nós”, diz. “O cuidado não é só institucional, é humano, voluntário e de coração. Todas essas pessoas foram as responsáveis por Lívia ter chegado até aqui”, acrescenta.

“É muito gratificante ver o cuidado de Deus com a Lívia. Penso que estava preparando a família certa para ela”, ressalta, afirmando que todos estão torcendo por uma convivência proveitosa. “Lívia merece uma família que a ame e lute incansavelmente por ela, como são os pretendentes Evi e Marcelo”, ressalta Cleide.

  

No último dia 1º de novembro, Marcelo, agora pai de Lívia de papel passado, chegou a Palmas para levá-la para casa e dar início a um novo capítulo na história da pequena Raio de Sol.

“Eu me sinto feliz, nos sentimos muito felizes por concluir essa etapa”, disse, destacando que agora virá a fase de desafios, mas também de muitas alegrias. “Ela, por ser uma criança especial, também tem uma rotina especial, mas me sinto muito feliz”, acrescenta.

 

Segurança de quem tem agora pai e mãe

“Vamos trabalhar muito para proporcionar conforto e uma família muito feliz para ela. Ir atrás do que ela precisa, tanto na questão de saúde, de médico, de tratamento, quanto no amor e no carinho, que eu acho que é o que a criança precisa”, ressalta Marcelo, o pai.

Na companhia do pai, da madrinha, Talita, e de Cristiane, sua cuidadora, a pequena embarcou no último dia 2/11 rumo a uma nova vida, em São Paulo. Na bagagem, além de presentes, a felicidade e a segurança de quem agora tem pai e mãe.

 

A nova morada: um jardim encantado, tema do quarto que a mãe, Evi, preparou com muito amor para receber Lívia. “Escolhemos o tema jardim encantado para que ela possa se sentir sempre perto das pessoas que cuidaram dela com tanto amor e carinho em Palmas”, diz Evi, lembrando que durante as sessões de fisioterapia, em Palmas, a fisioterapeuta usava músicas com sons de pássaros, havia floresta e flores. “Apesar da adoção, queremos manter o vínculo com todos que cuidaram dela, pois faz parte da história dela.”

Evi, de roupa preta, no quarto com o tema jardim encantado
Evi, mãe de Lívia, no quarto preparado para receber a pequena, com o tema jardim encantado; foto: divulgação

Plano de saúde e Unicamp

Em sua nova cidade, a pequena Raio de Sol já conta com plano de saúde e manterá sua rotina com as especialidades médicas de que precisa para o seu desenvolvimento. Lívia hoje tem sua forma de se comunicar e está se esforçando para andar. Em São Paulo, A mãe diz que a pequena terá uma chance de ser tratada na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), faculdade e hospital com centro médico de especialidades referência nacional.

A pequena também já conta com uma cadeira de rodas postural kimba. Evi conta que, após a adoção da Lívia, contou com o apoio e ajuda de várias pessoas. Através de doação, o casal conseguiu a cama hospitalar, um suporte de alimentação e também um parapodium (estabilizador vertical).

 

Especiais e lindas

“Depois de Livia, passei a conhecer muitas crianças especiais lindas e um mundo que muitas vezes esquecemos. São crianças que pessoas têm medo até de chegar perto, mais são apenas crianças, com seu jeito lindo de ser”, conclui a mãe.

Apesar do desfecho feliz, a história da pequena Raio de Sol não chegou ao fim. Continua, agora em São Paulo, com ela em seu jardim encantado, rodeada de cuidado e amor, ao lado da sua família, com quem construirá muitos outros capítulos pela frente.

 




Como funciona o A.Dot

Com o propósito de permitir que crianças e adolescentes, em condições de serem adotados, mas que ainda não encontraram uma família, possam ser conhecidos por pretendentes habilitados, o aplicativo A.Dot permite a visualização de vídeos e fotos das crianças e adolescentes nas Comarcas e Estados de origem ou no Cadastro Nacional de Adoção (CNA) do Conselho Nacional de Justiça (CNJ).

Os vídeos são gravados por voluntários e por meio dos quais as crianças e adolescentes narram suas histórias e expõem suas expectativas. O acesso a essas informações, vídeos e fotos é disponibilizado aos pretendentes à adoção inseridos no Cadastro Nacional de Adoção, às equipes técnicas das Varas da Infância e da Juventude, a magistrados e promotores da Infância e da Juventude e aos grupos de apoio à adoção.

O aplicativo pode ser baixado no site da Google Play Store e da Apple Store.


Caso alguma das crianças ou adolescentes em condições de adoção desperte a atenção de algum dos habilitados, este poderá, pelo próprio aplicativo, manifestar seu interesse que será, imediatamente, encaminhado ao juiz competente para viabilizar o contato da respectiva criança ou adolescente com o pretendente.

Fonte: TJPR



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