Amor que não se pede, não se mede e não se repete


 

Rosa nasceu no Ceará, Diana, em Minas, e Luciana, no Rio de Janeiro. Quis o destino que se encontrassem no Tocantins e se unissem em torno de uma causa comum, nobre, justa e que só uma mãe é capaz de cumprir – garantir a saúde e o bem-estar de seus filhos e filhas (com deficiência), mesmo diante de todas as adversidades possíveis, entre as quais o preconceito seguido pela indiferença.

Guerreiras, lutaram até chegar ao Judiciário tocantinense em busca dos direitos para que seus filhos, com algum tipo de deficiência, tivessem tratamento de saúde adequado por parte do poder público. Rosa, Diana e Luciana venceram a batalha judicial fruto de muito amor por Heitor, Ana Lara; João Pedro e Pedro Henrique, respectivamente.

A presidente do TJTO, Etelvina Maria Sampaio Felipe (sentada de blusa vermelha,  cabelos presos, usando óculos e colar pretos
Presidente do TJTO, desembargadora Etelvina destaca a importância de se ter uma Justiça mais próxima de todos

“A entrega efetiva da prestação jurisdicional, em processos que envolvem mães em busca de proteção e dos direitos de seus filhos, só reforça a importância de um Judiciário sensível aos anseios dos cidadãos e, por extensão, de uma Justiça mais próxima de todos, sem exceção”,  ressalta a presidente do Tribunal de Justiça do Tocantins (TJTO), desembargadora Etelvina Maria Sampaio Felipe.     

… Abaixo, o relato, na primeira pessoa, das três mães especialistas em amor incondicional pelos seus filhos com ou sem deficiência…!

 

…Amor que Não se Pede

 “Meu filho, que nasceu no Tocantins, foi diagnosticado autista com um ano e quatro meses há 13 anos. No início enfrentei muita dificuldade e ainda enfrentamos muitas em termo de preconceito. A mãe sofre muito pelo fato da criança não ser inclusa dentro da sociedade. Falo por mim, meu filho é um rapazinho, um adolescente de 14 anos, que é uma criança autista e que não tem amigos. É uma das coisas que nos causam muita tristeza e a gente acaba enfrentando essa dificuldade de as pessoas se afastarem da família ficando meio que isolado.”

Eu sou muito feliz com meu filho, o aceito do jeitinho que ele é e sou muito grata a Deus por ter o meu filho, por ser o que ele é; ele transformou minha vida… É um amor que é até difícil explicar, porque a gente quer cuidar, a gente quer proteger, como toda mãe, a gente quer o melhor pra ele, que seja feliz, mas, como mãe de uma pessoa especial, acabamos virando uma leoa mesmo, no sentido de tentar fazer com que ele não sofra, viramos uma espécie de para-choque contra o preconceito das pessoas.”

Então, logo após o diagnóstico do meu filho, senti muito essa dificuldade de estar sozinha e, a partir daí, fundamos a entidade que já tem dez anos, com a ajuda de outros pais, que hoje acolhe as famílias com as quais nos identificamos por passarem pelas mesmas dificuldades que a gente.

Sou mãe do Heitor, que tem 14 anos e é autista e também o Otávio, com 5 anos, que é uma pessoa típica (sem deficiência). Então eu vivo os dois extremos – tenho uma criança com deficiência e outra sem, mas trato os dois da mesma forma e sempre cuidei dos meus filhos como iguais. E é assim que espero que a sociedade também cuide e acolha os nossos filhos como iguais, porque somos iguais.

Quando a gente buscou a justiça para realizar o tratamento do Heitor, ele já fazia algumas sessões de terapia.

Rosa, de blusa vermelha abraçada com os filhos Heitor e Otávio, ambos com camisas azuis
Rosa com os filhos: “é um amor que é até difícil explicar”

Mas a decisão judicial determinando o tratamento, com profissionais especializados, foi um divisor de águas na vida do meu filho, pois até os sete anos, antes do tratamento adequado, ele ainda não falava nada e depois começou a falar, aprendeu ler e escrever. A decisão mudou a vida do meu filho e da minha família.

Rosa Helena Ambrósio, advogada, nascida em Nova Russas (Ceará), é especializada na área da saúde e mãe do Otávio e do Heitor, que é autista. É fundadora da Associação Anjo Azul dos Autistas do Tocantins.

 

…Que não se Mede

“Eu sou mãe da Ana Lara, de oito anos, que tem a Trissomia do 21, síndrome de Down, e de Clara, que tem cinco anos e é uma criança comum. A minha história começa no nascimento – o diagnóstico veio no parto e logo depois a pediatra identificou que Ana tinha algumas dificuldades de visão.

Após diagnóstico, fomos encaminhados para Goiânia, onde ela já precisou, com nove meses de idade, de uma cirurgia em razão de um glaucoma congênito. Essa foi a primeira dificuldade que a gente já viveu com ela. Tivemos que vender um carro na época para pagarmos a cirurgia.

Diana e Clara, ambas de rosa, ao lado de Ana Lara, de vestido azul
“Hoje, temos uma vida tranquila, Ana Lara está bem desenvolvida”, comemora a mãe Diana, ao lado de Clara, sua filha mais nova  

 Foi quando decidimos entrar Justiça pela primeira vez por conta do plano de saúde, já que ela continuou precisando de atendimento.  E, ao longo desse primeiro ano de nascimento, enfrentamos grandes dificuldades, como a de encontrar locais de atendimento aqui na cidade.  Procuramos a Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais (APAE), mas o atendimento não tinha continuidade, visto que, com síndrome de down, as crianças têm necessidade de uma estimulação precoce para ter uma qualidade de vida e um bom desenvolvimento. 

A partir daí, a gente precisou contratar um plano de saúde, que também continuava recusando diversos atendimentos. Foi quando acionamos a Justiça para que ela tivesse os direitos dela respeitados. Graças a Deus, deu tudo certo. A Ana Lara já está super bem desenvolvida e tem atendimentos garantidos.

Ocorre que, no começo desse ano, fomos surpreendidos com a informação de que o plano havia cancelado atendimento. Aí recorremos novamente à Justiça para que ela não perdesse o direito aos atendimentos que já estão todos em andamento. Hoje, temos uma vida tranquila, Ana Lara está bem desenvolvida, mas volta e meia precisamos acionar o Judiciário para que os direitos delas sejam respeitados.

Diana Veloso – Mineira de Montes Claros, formada em Processamento de Dados e Administração de Empresas e mora no Tocantins desde 1998.

 

…E que não se Repete

 

“Mãe do João Pedro e do Pedro Henrique, gêmeos, mudamos para Palmas em 2017. Os meninos estavam com um ano e, até esse momento, ambos cresciam normalmente, atingindo todos os marcos do desenvolvimento. Porém, próximo aos dois anos, percebi que algo estava errado  e, aos poucos, comecei a perceber um atraso na fala, na comunicação, junto com a fobia social. Foi então que procuramos um neurologista em Palmas, o médico Sérgio Stella, que sugeriu acompanhamento com fonoaudiólogo e psicólogo – Terapia Intensiva (ABA- Denver).  

Luciana, com João Pedro no colo, com um livro nas mãos
Luciana com o filho João Pedro, autismo moderado

Após a consulta, fui atrás dos profissionais que procurei no plano de saúde, mas não havia disponibilidade e/ou profissionais especializados. A única opção era tratamento particular, porém, mesmo sabendo da necessidade das terapias, sabia que não conseguiríamos manter meu filho, pois são horas e horas de terapias – João Pedro foi diagnosticado com autismo moderado, mesmo com a terapia. Já o Pedro Henrique foi diagnosticado apenas na fase inicial, com atraso no neurodesenvolvimento.

Com a negativa de cobertura pelo plano, resolvemos tentar uma ação judicial. Foi quando conheci doutora Rosa, advogada competente e com bastante experiência. Resultado, conseguimos na Justiça tratamento completo. Sem o amparo da Lei, seria impossível realizar o tratamento, afinal a Justiça é um direito de todos.

Luciana Ribeiro, natural do Rio de Janeiro, fisioterapeuta, mãe do João Pedro e Pedro Henrique.

 

 

 

Titular do Juizado Especial da Infância e Juventude de Palmas, o juiz Adriano Gomes de Melo destaca as dificuldades das mães que buscam tratamento em razão da deficiência da oferta de tratamentos de saúde – consultas, exames, medicamentos, cirurgias e tratamento para crianças com transtorno do espectro autista.  

“Infelizmente nós temos situações de mães que necessitam de ingressar na Justiça por uma questão de educação, uma vaga para o filho numa creche e principalmente em relação à saúde”, lembra o magistrado, que se diz sensibilizado ao ver essas mães buscarem seus direitos, às vezes com certa dificuldade financeira, mas que enfrentam uma série de obstáculos e que lutam por esse direito na Justiça.

Juiz Adriano, de terno e gravata pretos
Juiz Adriano Gomes vê oferta de tratamento de saúde  ainda deficiente

 

Nesse cenário, o juiz Adriano lembra que, hoje, há uma equipe do Judiciário que trata especificamente de processos relacionados à saúde e um núcleo especializado em Justiça 4.0, além do Núcleo de Apoio Técnico (Natjus-TJTO), que auxilia os juízes com pareceres técnicos em caso de decisão sobre processos relativos à saúde.

Segundo o magistrado, a Justiça procura, na medida em que a legislação permite, viabilizar e garantir os direitos das crianças cujas mães buscam o auxílio, a interferência da Justiça para que haja ações no sentido de garantir o direito à saúde, à educação e também o direito a alimentos, porque às vezes os pais estão faltando com a responsabilidade de contribuir com o sustento, o que faz a Justiça procurar assegurá-lo.  



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