Roda de conversa no Tribunal de Justiça destaca necessidades das famílias para o diagnóstico e acesso a terapias do espectro autista


Respeito, inclusão, amor e acolhimento foram algumas das palavras escolhidas pelos participantes para compor um quebra-cabeça temático durante a “Roda de conversa: uma escuta ativa e dinâmica sobre o Autismo”. A atividade simbólica, pensada para estimular a interação e a reflexão, marcou o evento realizado na manhã desta quarta-feira, 2 de abril, Dia Mundial e Nacional de Conscientização sobre o Autismo, no auditório do Tribunal de Justiça do Tocantins (TJTO), em parceria com a Faculdade Afya.

Nos pronunciamentos de abertura, o juiz auxiliar da Presidência do TJTO, Arióstenis Guimarães Vieira, em nome da desembargadora Maysa Vendramini Rosal, presidente do TJTO, destacou que o evento busca fomentar a concretização de direitos, especialmente para as mães de pessoas com espectro autista. 

“Nenhuma lei, nenhum direito cai do céu, cada um deles é produto de luta e principalmente as mães dos autistas que lutam na concentralização de direitos sabem o que eu estou dizendo, por isso é importante debater esse tema para transformar toda informação em atitude para construção de um mundo que está desenhado na Constituição da República”. 

Para o juiz, as instituições – como a universidade e o Judiciário- necessitam aprender sobre o autismo.  

“Nós precisamos, sim, aprender a lidar com o autismo de uma forma respeitosa, tolerante e inclusiva e esse aprendizado por si só é revolucionário na vida de cada um de nós, e ele precisa ser revolucionário também na vida das nossas instituições”.

A presidente da Comissão Permanente de Acessibilidade e Inclusão (CPAI), a desembargadora Angela Haonat considera que ao abrir o espaço para falar sobre autismo, tem o significado de “reconhecer vivências acolher desafios e trabalhar para um sistema mais acessível e justo para todas as pessoas”. 

Para a desembargadora, a escuta ativa sobre o tema é “compreender e valorizar as experiências compartilhadas e transformá-las em medidas efetivas” e a roda de conversa tem a dinâmica de oferecer diferentes perspectivas que podem “complementar e enriquecer o olhar de uma justiça verdadeiramente acessível”. 

A professora Luciana Colares, representante da Faculdade Afya, parceira do TJTO para a realização do evento, destacou o papel da educação na transformação social para a diversidade. “Cada pessoa no espectro tem a sua própria maneira de perceber o mundo e de comunicar e de se conectar com os outros e cabe a nós, como sociedade, reconhecer e valorizar essas diferenças, não como obstáculos mas como expressões legítimas da diversidade humana”, defende a professora, ao citar a roda de conversa como ato simbólico para chamar a sociedade para a ação, para o diálogo e para a “construção de um mundo mais acessível”.

O promotor de Justiça Pedro Janiner destacou em sua fala a situação dos direitos de pessoas com deficiência no Tocantins, especialmente autistas, na rede estadual de ensino. Segundo o promotor, houve a retirada de direitos básicos, como o acompanhamento de profissionais em sala de aula, situação que tem prejudicado tanto os alunos com deficiência quanto os demais.

Temas debatidos

Autismo: diagnóstico, terapias e evidências científicas

O diagnóstico, as terapias e as evidências da ciência sobre o espectro autista  pautaram a participação do psiquiatra Railson Alves e a neuropsicóloga Jordanna Parreira, a primeira do evento. 

“O autismo afeta indivíduos, famílias, escolas, ambientes de trabalho e o sistema de saúde, e agora, até mesmo o sistema judiciário. É necessária uma maior compreensão para melhor auxiliar os indivíduos com Transtorno do Espectro Autista”, explicou a neuropsicóloga, ao abordar a importância do diagnóstico clínico.

O psiquiatra Railson Alves enfatizou a existência de um atraso no diagnóstico de pacientes com TEA no Brasil se comparado com outros países, o que ele considera agravante no tratamento. Segundo o médico, embora instrumentos de triagem auxiliem no diagnóstico, não substituem a avaliação clínica multidisciplinar, que deve ser feita o mais cedo possível.

Ele também ressalta que a intervenção precoce é essencial, mesmo antes do diagnóstico formal, especialmente em casos de atraso no desenvolvimento, e também citou que profissionais da educação podem identificar sinais. Segundo o médico, terapias comportamentais, como a ABA, são eficazes.

“O diagnóstico precoce é crucial, mas não deve ser rápido e impreciso. Uma equipe multidisciplinar, incluindo médicos e outros profissionais, é fundamental para um diagnóstico preciso”, defende.

“A importância da escuta das pessoas autistas e das famílias nas decisões que as envolvem”

A advogada Daniella Monticelli, idealizadora do grupo “Toca das Leoas” – um grupo de apoio jurídico a famílias neurodivergentes –, elogiou a iniciativa do Judiciário em abrir espaço para o diálogo com as famílias. Ela ressaltou a importância de ampliar ainda mais esses espaços de escuta e participação, especialmente diante dos desafios enfrentados pelas famílias de pessoas autistas e com deficiência, que muitas vezes dependem exclusivamente do Sistema Único de Saúde (SUS), o qual ainda apresenta limitações no atendimento especializado para esse público.

Núbia Santos, professora universitária usou poema de Alberto Caieiro, pseudônimo do português Fernando Pessoa para abordar o contexto da educação para neurodivergentes. “Precisamos pensar nas instituições de forma mais harmônica e natural, mais do que necessariamente performática, com cada um em seu lugar”, disse. 

Saúde e educação: a conciliação do tratamento clínico e educação inclusiva

Titular do juizado especial da Infância e Juventude de Palmas, o juiz Adriano Gomes fez uma reflexão sobre o papel do Judiciário na garantia dos direitos das pessoas com deficiência e destacou a importância de um diálogo entre diferentes áreas para promover a inclusão social. 

O juiz lembrou que em todos os processos judiciais, inclusive os que tratam do acesso a tratamento para pessoas no espectro autista, os juízes devem basear suas decisões na lei, observando a Constituição Federal, as decisões do STJ e do STF, e as questões repetitivas. “Desvios legais, como o bloqueio indevido de valores, podem levar a punições do Conselho Nacional de Justiça”, lembrou, ao defender que os magistrados devem agir de forma imparcial, sem favorecer ou prejudicar qualquer das partes envolvidas.

Repercussão entre as famílias

O defensor público Arthur Luiz Pádua Marques destacou que a Defensoria Pública representa a maioria das famílias neurodivergentes em processos judiciais e afirmou que cerca de 90% dos pacientes do estado vivem sem suporte necessário em razão da ineficiência do Sistema Único de Saúde (SUS), que não oferece os serviços adequados. 

Presidente do Conselho Municipal da Pessoa com Deficiência de Palmas, Mônica Ferreira da Costa avaliou que a legislação brasileira é avançada, mas a realidade é desafiadora, com as dificuldades enfrentadas por crianças, jovens, adultos, famílias e idosos com deficiência, incluindo indígenas, quilombolas, LGBTQIA+ e pessoas com múltiplas deficiências.

“A beleza está na criança, não no autismo, e é preciso humanizar o olhar para essa realidade”, destacou Mônica. 

Milene Stefanini Barbosa de Lima, mãe do Luiz, autista diagnosticado, descreveu as dificuldades e desafios enfrentados por ela e outras mães na busca por atendimento e suporte para seus filhos. Ela destacou a importância das terapias e a frustração com o sistema de saúde e educação. 

Ela também trouxe relatos de muitas mães que adoecem, enfrentam depressão e até se separam devido ao estresse e à falta de apoio ao lidar com filhos autistas e fez um apelo por mais sensibilidade e ação por parte das autoridades e da sociedade em geral.

 



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