Trabalhadores egressos encontram no Judiciário o caminho para recomeçar
Conseguir trabalho depois da progressão de regime ou do cumprimento da pena é uma das grandes dificuldades encontradas por egressos do sistema prisional para se reintegrar à sociedade. Além do preconceito, muitos não possuem qualificação. Nesse sentido, o Escritório Social, equipamento público impulsionado pelo CNJ que, no Tocantins, funciona por meio da parceria entre o Tribunal de Justiça do Tocantins (TJTO) e a Secretaria de Estado da Cidadania e Justiça (Seciju), atua no acolhimento e encaminhamento de pessoas egressas e familiares para atendimentos em políticas públicas, articulando serviços de inclusão social para a garantia dos direitos de cidadania através da qualificação, do trabalho e dignidade no retorno ao convívio social longe da criminalidade.
Nesta reportagem especial, o Poder Judiciário do Tocantins traz histórias de trabalhadores egressos que mudaram de vida depois que conheceram o Escritório Social.
Você vai ler nesta reportagem:
- 🙏 “Estava num deserto e achei a saída”.
- ✍”Todos têm o direito de consertar a vida”.
- ⚖ Foco do Escritório Social é na assistência social, educação e emprego.
- 📸 Fotos, vídeos e infográfico.

Sozinho e sem apoio, ao conseguir liberdade provisória, em agosto de 2022, Gildeilton Vieira Xavier, 38 anos, encontrou no Escritório Social a oportunidade que precisava para recomeçar a vida, depois de cumprir parte da pena de seis anos e dez meses por tráfico de drogas. “Mudou tudo, eu estava num deserto e achei a saída. Agradeço a Deus e ao Escritório Social”, declara o trabalhador egresso do sistema prisional que hoje comemora a conquista do emprego e renda, da reintegração à sociedade, e fala dos planos para um futuro longe da criminalidade.
Foi por meio de um colega de cárcere, ainda enquanto estava preso, na Unidade Penal de Cariri, Sul do Estado, que as informações sobre o Escritório Social chegaram até Xavier. Segundo o egresso, ao conseguir progressão da pena, pediu à Justiça transferência para Palmas para poder ter acesso aos serviços oferecidos. No local, conta que foi acolhido pela equipe e que o primeiro apoio que recebeu foi no sentido de conseguir a emissão de seus documentos.
Na época, Gildeilton Xavier lembra que lhe falaram sobre um convênio com o Instituto Travessia e que seriam abertas vagas para a limpeza urbana da Capital. Tão logo foram abertos os postos de trabalho, ele diz que conquistou uma das vagas. “Vai fazer oito meses que estou empregado, trabalhando como varredor. Além do salário, recebo almoço e vale-transporte”, celebra, comentando que, para aumentar a renda, abriu um pequeno negócio de venda de salgados.
Sentimento de realização
Ao olhar para trás, Xavier diz que o sentimento é de realização. Baiano, criado em Goiânia, e pai de três filhos, ele agora tenta refazer sua história em Palmas, de onde diz que não pretende mais ir embora e planeja se casar em breve e se especializar em compositor gospel. O egresso destaca que assumiu o erro que cometeu no passado e que está prestes a quitar sua dívida com a Justiça e com a sociedade. Atualmente, ele está no regime semiaberto e pretende escrever um livro contando a sua história para ajudar outras pessoas que estão saindo da prisão, mostrando que há uma solução.
“Meu sonho é ter a minha liberdade de volta. Pra mim, foi um aprendizado de que o crime não compensa.”
“Meu desejo agora é que outras empresas façam adesão ao projeto e deem oportunidade de trabalho para outros egressos”, completa, ressaltando que pessoas que estão no crime e querem mudar de vida precisam apenas de oportunidade, e que essa oportunidade pode ser possibilitada por meio do Escritório Social.

“Todo mundo tem o direito de errar, mas todos têm o direito de consertar a vida”, declara Rúbia Mara Rabelo, 33 anos. Depois de cumprir parte da pena por tráfico no regime fechado e entrar para o aberto, em 2021 ela conheceu o Escritório Social por meio de seu advogado. Na busca por um recomeço com trabalho e dignidade, Mara, como é mais conhecida, procurou a equipe do projeto, que lhe deu acolhimento e mostrou meios para que pudesse se qualificar profissionalmente para o mercado de trabalho.
No local, fez o curso de Assistente Administrativo, de Recursos Humanos e, atualmente, está matriculada e frequentando regularmente as aulas do curso de Operador de Computador. Logo nos primeiros cursos, Mara conta que correu atrás de trabalho e conseguiu um emprego para trabalhar como auxiliar de serviços gerais em um restaurante e depois passou a atuar como auxiliar de cozinha.
Com os conhecimentos adquiridos nos cursos que fez no Escritório Social, não demorou muito para receber promoção e hoje trabalha como atendente e ainda ajuda na área administrativa. Neste mês de maio, ela comemora um ano de trabalho com carteira assinada.
“O Escritório Social foi fundamental para a minha qualificação. É o que vem me ajudando na vida, como pessoa”, diz Mara, acrescentando que também faz curso superior de Administração. “Trabalho pela manhã, faço curso à tarde no Escritório Social e, à noite, faço faculdade de Administração.”
Correndo atrás
O período que passou na prisão, de 2015 a 2021, Mara considera um tempo perdido e hoje luta para recuperá-lo. “O dia tem 24 horas e eu estou aqui, eu estou correndo atrás. Eu estou trabalhando, fazendo cursos… Hoje eu me sinto melhor como pessoa”, destaca, lembrando que vive com o salário de R$ 1,5 mil e se considera uma pessoa feliz.
“O meu passado foi ruim. Ganhei e gastei dinheiro, passei seis anos atrás das grades, perdi o convívio com meus filhos (possui três) e com a família, mas a experiência me fez ser a pessoa forte que não era”, comenta. “Aprendi a dar valor a coisas que antes não dava. Hoje eu tento passar essa experiência para outras pessoas na tentativa de fazer com que elas não mexam com nada errado, que batalhem e corram atrás para ser uma pessoa diferente.”
“Do mesmo jeito que eu tive a oportunidade de conhecer o Escritório Social, de ser acolhida por pessoas maravilhosas, eu diria para as pessoas focarem nos cursos, corram atrás. Não é impossível”, orienta, dizendo que antes vivia desmotivada, mas que a cada progresso seu como pessoa, se sente melhor.
“Não baixem a cabeça e agradeçam a Deus todos os dias. A oportunidade está aí, de braços abertos, só basta você querer.”
Oportunidades como as de Gildeilton Xavier e Rúbia Mara se tornaram possíveis graças ao atendimento prestado pelo Escritório Social, que tem como princípio fundamental a adesão voluntária. O equipamento social, que funciona por meio da parceria do Tribunal de Justiça do Tocantins (TJTO) e a Secretaria de Estado da Cidadania e Justiça (Seciju), atua no acolhimento e encaminhamento de pessoas egressas do sistema prisional e familiares para atendimentos em políticas públicas disponíveis na comunidade, articulando serviços de inclusão social para a garantia dos direitos de cidadania através da qualificação, do trabalho e dignidade no retorno ao convívio social.

O juiz Allan Martins Ferreira, da 4ª Vara Criminal de Palmas, reforça que o Escritório Social tem o objetivo central de prestar assistência social, material, assistência à saúde, à educação, ao emprego para aquelas pessoas que cumpriram sua pena, bem como para as que entraram no livramento condicional, e também aos seus familiares. O magistrado lembra que o projeto possui uma equipe multidisciplinar treinada e orientada para bem conduzir essas políticas públicas.
“O objetivo é fazer com que as pessoas que erraram uma vez na vida tenham o direito de ter direitos assegurados, efetivados, concretizados e que não voltem mais a delinquir.”
Atendimentos
Em Palmas, dos 1.861 atendimentos realizados em dois anos, o Escritório Social efetivou mais de 200 encaminhamentos, sendo parte desses para vagas de trabalho, uma das áreas de atuação deste equipamento social. Nesse período também foram realizadas seis turmas de cursos profissionalizantes e 20 oficinas do projeto “Formação para Cidadania” com um total de 323 formações/qualificações, além de mais seis oficinas de ações diversas (rodas de conversas e palestras), com 59 participações.
Atualmente, o Escritório Social possui um termo de cooperação técnica com o Instituto Travessia, por meio do qual são feitas as contratações por via da Lei de Execução Penal, oferecendo salário mínimo, auxílio-alimentação e vale-transporte. Hoje existem em torno de 18 egressos contratados e atuando na limpeza urbana da cidade e a expectativa, segundo o coordenador do Escritório Social de Palmas, Leandro Bezerra de Sousa, é de que sejam contratados mais, com a previsão de chegar a 120.

O coordenador informa que também é realizado um acompanhamento diário das vagas de trabalho destinadas pelo Sistema Nacional de Emprego (Sine), para Palmas e Taquaralto. “Todos os dias eles (equipe do Sine) mandam as vagas disponíveis em nosso e-mail”, diz, citando que essas informações são compartilhadas com os egressos. Nesse caso, a equipe técnica divulga as vagas através das redes sociais do Escritório Social, e presta orientação aos assistidos da produção do currículo ao momento de contratação pela empresa.
Em busca de novos postos que possibilitem mais trabalho para aqueles que procuram apoio para se reintegrar à sociedade, Sousa diz que já existe um trabalho sendo feito junto à Associação Comercial e Industrial de Palmas (Acipa), no sentido de apresentar os serviços ofertados pela Política de Atenção ao Egresso, e espera que haja uma sensibilização da classe empresarial da Capital para contratações de pessoas egressas e seus familiares.
Preconceito e desafios
De acordo com o coordenador, ainda existe um preconceito muito grande em relação à mão de obra egressa do sistema prisional, o que dificulta um pouco a captação de vagas pelo Escritório Social. Por isso, vencer as barreiras do preconceito é o maior desafio da política hoje, conforme Sousa.
Visando despertar um novo olhar a respeito da pessoa egressa, o coordenador comenta que no final de 2021 foi realizado o 1º Seminário Estadual sobre Política de Atenção às Pessoas Egressas, que terá sua próxima edição no segundo semestre de 2023, quando serão convidados parceiros com atuação na área de emprego e renda (Acipa, empresários, Sine e a sociedade em geral), para um debate nessa perspectiva.
A formação profissional dos egressos também é um desafio, uma vez que, conforme Sousa, muitos não possuem nem mesmo a qualificação mínima necessária para ingresso nos diversos cursos profissionalizantes oferecidos no local, em parceria com o Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (Senai).
Outra dificuldade apontada pela coordenação é o processo de documentação, principalmente em relação ao Registro Geral – RG, devido aos custos com taxa de segunda via e com fotografias.
Baixo índice de reincidência
O coordenador Leandro Souza se orgulha em falar sobre o índice baixíssimo de reincidência. “Nesses dois anos e quatro meses, atendemos mais de 650 egressos. Desses, apenas nove reincidiram criminalmente”, conta, demonstrando que o projeto tem feito a diferença.
“Eu penso que mais pessoas deveriam procurar o Escritório Social, porque os que procuram gostam do atendimento que recebem”, disse, enfatizando o tratamento humanizado para egressos do regime semiaberto, aberto, liberado condicional, medida de segurança e liberado definitivo.
Além do Escritório Social de Palmas, conforme o Grupo de Monitoramento e Fiscalização do Sistema Carcerário do Estado do Tocantins (GMF), no Tocantins, deverão ser implantados escritórios em Gurupi, Araguaína e Porto Nacional.
Histórico
O Escritório Social de Palmas foi instituído por meio de parceria firmada através do Termo de Cooperação Técnica N° 001/2020 entre o Tribunal de Justiça do Tocantins (4ª Vara Criminal Execuções Penais), Conselho Nacional de Justiça (CNJ), Estado do Tocantins (Secretaria da Cidadania e Justiça), Conselho da Comunidade da Comarca de Palmas e Pastoral Carcerária (Arquidiocese de Palmas), com o objetivo de melhorar a execução penal e qualificar a porta de saída do sistema prisional.
Construído com recursos de penas pecuniárias, destinados pela 4ª vara criminal e de execuções penais de Palmas, o equipamento social é pioneiro no acolhimento e atendimento às pessoas egressas do Sistema Prisional e seus familiares no Tocantins, tendo sido inaugurado no dia 2 de setembro de 2020.
O Escritório Social se consolidou como estratégia central no âmbito do Poder Judiciário para o fomento da política, conforme estabelecido na Resolução CNJ nº 307/2019.
O equipamento social possui gestão compartilhada entre o Judiciário e o Executivo e conta com participação de outras instituições públicas e da sociedade civil com atuação em rede para efetivação dos encaminhamentos e acompanhamentos necessários.

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